RESIDÊNCIA ASSP | S. Roque – Porto
TEXTO Jacques Baptista
Iniciamos neste BI uma ronda pelas Residências ASSP, dando relevo a cada uma delas, neste número e nos que se seguem. Para a nossa Associação, estes estabelecimentos são atualmente motivo de cuidados redobrados face à pandemia existente, mas também motivo de muita esperança. Neste tempo conturbado tem sido possível encontrar exemplos de grande dedicação e episódios carregados de humanidade que nos dão razão para acreditar que o lado bom das coisas mais complicadas irá seguramente prevalecer e enriquecer-se. Para melhor perceber as dinâmicas da Residência de S. Roque, nada melhor que conversar com a sua Diretora Técnica, Dra. Teresa Fernandes, com quem apenas tínhamos falado por alguns minutos até esta quente tarde de Agosto em que nos recebeu. Como se impunha, ao entrar no interior da residên-cia, foi necessário respeitar todos os cuidados de distanciamento e protecção que atualmente se impõem aos visitantes destes espaços.
De onde vem a energia
O que nos surpreendeu desde logo foi a atitude desta jovem diretora: a intensidade e alegria com que vive a sua complexa tarefa acabam por ser contagiantes. Esperaríamos encontrar alguém seve-ramente preocupada e entristecida, já que motivos não lhe faltariam: pandemia, isolamento, utentes de risco, pessoal sob permanente tensão. De algum modo a Dra. Teresa consegue olhar para este quadro de uma forma que, sem ser excessivamente otimista, é enérgica. E essa energia é que é conta-giante.
Anotamos esta atitude e perguntamos de onde que aquela energia nasce. Diz-nos que faz aquilo de que verdadeiramente gosta e encontra a sua gratifica-ção num sorriso conquistado a uma idosa geralmen-te triste, num elogio recebido de um utente geral-mente calado, numa adesão conseguida junto dos colaboradores da casa motivados pela sua vontade de bem fazer. Fala-nos também dos problemas e das dificuldades: do cumprimento de regras, na necessidade de bem gerir o dinheiro da instituição, do não se poder dar ao “luxo” de adoecer, da com-plexidade das tarefas que estas casas envolvem. E do esforço enorme que muitas vezes é pedido aos seus colegas de trabalho, que acabam por gene-rosamente o dar, como foi o caso no período mais crítico da pandemia. A sustentabilidade desta casa nem sempre foi perfeita, mas a equipa da Dra. Teresa com o Dr. José Lopes logrou conseguir o equilíbrio financeiro, o que se faz de pequenos pormenores que, todos somados, acabam por constituir grandes soluções. Este equilíbrio é também uma das chaves para a boa energia que por aqui se vive.
Uma questão de afetos
Quando lhe perguntamos como gostaria ver a Residência num futuro próximo responde-nos sem hesitar: como está agora, mas sem COVID. De facto, acaba por nos dizer que a verdadeira maneira de gerir estes espaços é com afectividade, e essa não surge porque há COVID. Os afetos, matriz transversal a utentes e pessoal, devem ser “coisa imanente”, que terá que existir no ADN destes espaços. Sem afectos, toda a lógica da relação com pessoas idosas cai pela base, e todo o processo de equilíbrio entre pessoal técnico responsável fica severamente ferido.
Ao pedido de caracterização da Residência de S. Roque, fica sem saber muito bem por onde começar. Desde logo, porque a residência tem alguns utentes com muitos anos de permanência e que por essa razão se encontram acamados. Estas pessoas mais debilitadas são naturalmente motivo de particular atenção. É indispensável proporcionar-lhes a qualidade de vida possível: há quem oiça música clássica, há quem goste da presença do “Roque”, um “cão terapeuta” adoptado pela residência, há quem precise de alguém que simplesmente lhe fale ou afague os cabelos. E é indispensável que a equipa médica esteja atenta, para que situações de sofrimento sejam mitigadas. Mais uma vez, os afetos.
Famílias
Uma parte difícil desta equação são os familiares, forçados como estão a manter um doloroso e irritante distanciamento físico. “Quando é que eu posso abraçar a minha mãe?”. E para esta incógnita, para já não há solução. Temos as visitas que a pandemia autoriza, mas também temos que valorizar a imagem e as palavras. Fazemos e partilhamos videos e fotografias, facilitamos video-chamadas. Os utentes são emigrantes temporários na sua própria terra, que só podem ver e falar com os seus entes queridos sem lhes tocar. Mas “também isto há-de passar”. Curiosamente, em muitos casos, o trabalho com a família também é muitas vezes um trabalho de reencontro, em que é preciso ir mais longe, ver por detrás das histórias antigas que ainda magoam e tentar encontrar os espaços possíveis de reconciliação. Sabemos que também aqui estas histórias, frequentemente comoventes, vão acontecendo.
Estas casas mexem
Mas neste caso, uma casa fechada não pode ser uma casa parada. Perguntamos à Dra. Teresa que estratégias se encontram para iluminar o dia a dia dos utentes deste espaço. Fala-nos de Reiki, de atividades manuais, de canto, de audição de música, de fisioterapia ou da simples ida ao cabeleireiro ou à podologista. Aponta-se a musico-terapia e a riso-terapia como metas a alcançar no quadro do planeamento e cumprimento do plano de atividades socioculturais. Mas consegue-se um verdadeiro entusiasmo junto dos utentes quando é possível organizar pequenos passeios na carrinha de que a residência dispõe. Tudo acontece afinal com pequenos passos. À semelhança da utente que chegou à residência sem andar e que alguns dias depois dava os primeiros passos desta fase da sua vida, também no quotidiano destes espaços a vida é feita de pequenos passos, de pequenas conquistas com que se vão ganhando as horas do dia. É que pode haver sempre qualquer coisa, por insignificante que pareça, que nos vai dizendo que afinal, os dias não têm que ser todos iguais.